quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Senado, o STM e a homossexualidade

Já escrevi neste blog sobre a inutilidade da sabatina como é feita, pelo Senado, de indicados para tribunais superiores, para os Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público. Como já disse, e como é sabido, salvo raras exceções de nomes recusados pelo Senado, ou que por alguma razão geram conflitos internos no Parlamento, em geral a sabatina é um procedimento formal sem maiores impactos no processo de composição dos órgãos superiores do sistema de justiça. É um ritual, o qual ninguém contesta e ao qual todos se submetem.
 
A superficialidade do ritual - e os riscos que ela implica - podem ser vistos no episódio da recente indicação e sabatina de novos membros do Superior Tribunal Militar. Sabatinados ontem pelo Senado, ambos os militares indicados pelo presidente da República foram aprovados - e por unanimidade.
 
Entretanto, um dia após a sabatina e a aprovação dos indicados pelos senadores - repita-se, por unanimidade - fez-se a polêmica pública em torno das declarações de um dos sabatinados, o general-de-Exército Raymundo Nonato Cerqueira Filho, acerca da presença de homossexuais nas Forças Armadas. Enquanto seu colega de sabatina, o almirante-de-esquadra Alvaro Luiz Pinto, afirmou não ver problema em fato desse tipo, desde que preservada a dignidade e a ética da farda e da função, o representante do Exército afirmou ser a atividade militar incompatível com esse tipo de "comportamento", e que a tropa "fatalmente" não obedeceria ao comando de um homossexual.
 
Certamente a questão foi levantada pelo senador Demóstenes Torres na esteira da polêmica revisão que Barack Obama quer fazer nas normas disciplinares do Exército americano acerca da homossexualidade. Bom que a questão tenha sido levantada, é tema relevante de cidadania e de direito militar - área de atuação dos ministros do STM. Entretanto, não poderia ter a resposta do general-de-Exército passado sem maiores debates e implicações para a votação, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), acerca da pertinência da indicação daquele nome pelo Presidente da República e de seu pertencimento ao STM.
 
Obviamente, acredito eu, que esse pode não ter sido o fator preponderante para a aprovação, já que outras questões relevantes foram tratadas na sabatina. Porém, a resposta do general poderia, sim, ser fator suficiente para que pelo menos um senador votasse contra a indicação daquele nome para o STM. Não me impressiona que senadores do perfil de Antonio Carlos Júnior, Cesar Borges e Tasso Jereissatti elogiem a indicação dos nomes para o STM. Causa-me um pouco de estranheza que o "socialista" Renato Casagrande, da base governista, também elogie - mas tudo bem: como disse, a resposta do general sobre a homossexualidade pode não ter sido o único elemento ponderado pelos senadores que aprovaram, por unanimidade seu nome.
 
Mas, certamente, me espanta a posição do senador Eduardo Suplicy que, após insaturada a polêmica, no tempo da mída e da opinião pública - ou seja, no dia seguinte - queira agora reconvocar o general para comparecer à CCJ. Suplicy é membro da CCJ, e estava na sabatina; pelo que consta do relato publicado pela Agência Senado, ele inclusive participou diretamente do debate, com os militares presentes, acerca da questão da homossexualidade. Se, apesar de sua indignação, participou da deliberação que aprovou por unanimidade os nomes sabatinados, Suplicy errou - e feio. Se não estava presente no momento da deliberação (o que não é de se estranhar, pois faz parte do ritual da sabatina fajuta o entra-e-sai, as conversas paralelas e a desatenção dos senadore), também errou - afinal a sabatina não é uma sondagem de opinião, é um ato de manifestação política do Legislativo em relação a uma indicação do Executivo para um cargo do Judiciário.
 
A indignação tardia do senador Suplicy, e a posição unânime dos senadores da CCJ podem indicar duas coisas diferentes: (1) que a questão da homossexualidade não é tão importante assim, e que as demais posições dos sabatinados sobre outros temas justificam sua indicação para o STM; (2) que a questão da homossexualidade é sim muito importante, e por isso seria muito valoroso ter um ministro do STM que pense como pensa o general, e transforme seus preconceitos em jurisprudência. Em qualquer dos casos, a aprovação unânime dos nomes indicados é questionável, sendo bastante grave na segunda hipótese. Mas, pelo que conheço do processo de escolha de nomes e de sabatina pelo Senado, não foi nem uma coisa nem outra que aconteceu; talvez um pouco das duas, camufladas no teatro superficial que é a passagem pela CCJ, que no fim das contas, pouco interfere na composição dos órgãos de cúpula do Judiciário. Dizer, como disseram alguns senadores, que a opinião do general foi emitida após a votação de seu nome, só reforça o aspecto formal e ritual da sabatina - que aprova antes de ouvir e questionar.
 
Há algum tempo, a OAB apresentou proposta de impugnação popular de nomes sabatinados e aprovados pelo Senado. Seria descabida, se o Senado exercesse a representação popular e fizesse seu papel no sistema de separação e controle recíproco dos poderes republicanos; mas, em episódios como o que ocorreu na CCJ em relação ao STM, talvez fosse uma saída - certamente, mais eficiente do que a reação tardia de Suplicy.

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