quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Que diferença faz Luiz Fux?

A indicação de Luiz Fux, atualmente ministro do Superior Tribunal de Justiça, para ocupar a vaga aberta desde agosto de 2010 com a aposentadoria de Eros Grau no Supremo Tribunal Federal resolve dois problemas políticos enfrentados recentemente pelos governos Lula e Dilma Rousseff: um imediato e outro de médio e longo prazo.

O problema imediato é o do tempo excessivo durante o qual a vaga ficou aberta. Além de problemas "operacionais" nos julgamentos do STF – lembremos apenas do constrangedor empate na votação da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no caso de Joaquim Roriz – a demora na indicação de um novo ministro do Supremo (por parte de Lula, mas também de Dilma, que poderia ter feito a indicação antes da abertura do ano judiciário) causou um desnecessário mal-estar entre lideranças do campo jurídico e o STF, de um lado, e o governo federal e a Presidência da República, de outro.
 
Isso nos leva ao segundo problema político, que é o das relações entre o campo político e o campo jurídico, mais especificamente entre o governo federal e o STF. As várias indicações de Lula para o Supremo foram em maior ou menor grau questionadas, muitas vezes injustamente, especialmente pela vinculação partidária ou ideológica dos novos ministros a Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Se isso já foi grave na indicação de ministros com padrões de carreira consistentes e reconhecidos no meio jurídico – como Ayres Britto, Carmen Lúcia e Eros Grau – o problema de legitimidade se agravou com as indicações de Joaquim Barbosa (tido por muitos como inepto, despreparado) e Dias Toffoli (visto como o "advogado do PT" no STF).

Da oposição político-partidária, as críticas foram contra o suposto aparelhamento do Supremo pelo governo do momento. Nisso, sejamos justos, Lula não fez nada muito diferente do que outros presidentes fizeram ao longo da história do Supremo, indicando juristas de sua confiança, com passagens por cargos de governo, seja para garantir certa lealdade (o que, sinceramente, acho que é pouco eficaz), seja como prêmio por serviços prestados – Nelson Jobim, Gilmar Mendes, Maurício Corrêa, Dias Toffoli são exemplos recentes de ex-ministros da Justiça ou ex-Advogados-Gerais da União recompensados pela indicação para o STF, e que se somam a vários outros na história do tribunal.

Por parte dos juristas, as recentes indicações de Lula – mais especificamente a de Toffoli, além dos boatos de indicação de seu amigo e advogado Sigmaringa Seixas e do advogado-Geral da União Luís Inácio Adams – foram e são contestadas por conta do pouco prestígio ou reconhecimento que os indicados têm no campo jurídico. Quando a Constituição fala em "notório saber jurídico" e "reputação ilibada" como critérios para nomeação de um jurista para o Supremo, na prática estamos falando em prestígio, reconhecimento e outros capitais simbólicos verificados nas trajetórias dos ministros da corte – como o diploma da faculdade de origem, o nome de família, os cargos jurídicos e políticos ocupados anteriormente, o prestígio da profissão na qual fez carreira, entre outros.

Por isso, em comparação com Toffoli, Luiz Fux tem várias "vantagens" no que diz respeito à legitimidade de sua indicação para o Supremo. Por um lado, repete em muito o padrão de carreira de sucesso das elites jurídicas: estudou em escola tradicional (Colégio Pedro II); formou-se em faculdade de prestígio (Universidade Estadual do Rio de Janeiro); já ocupou outras posições de elite (foi desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ministro do STJ); tem títulos acadêmicos e atividade docente; e, mais do que isso, especializou-se em uma área de grande ascendência e prestígio na administração da justiça estatal, que é o direito processual – tendo sido, inclusive, presidente da comissão de juristas responsável pela proposta de reforma do Código de Processo Civil (nesse aspecto, para alguém que nunca negou o desejo de compor o STF, a presidência de uma comissão como essa é um recurso político inigualável na trajetória rumo ao topo).

Por outro lado, a indicação de Fux "corrige" o que muitos juristas veem como um problema grave de legitimidade política e de perfil técnico do Supremo, que é a ausência de magistrados de carreira na mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro. Além de advogado e membro do Ministério Público, Fux foi magistrado de carreira na justiça estadual do Rio de Janeiro, na qual chegou a desembargador.

Por fim, por não fazer um jogo político tão agressivo como seu colega de STJ César Asfor Rocha, e por não ser propriamente um "progressista" como seus até agora concorrentes para o STF Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, o nome de Fux se não agrada, ao menos não ofende a opinião do senso comum jurídico e, especialmente, das elites da justiça brasileira.

Porém, ao resolver esse duplo problema político de legitimidade da composição do STF e das relações do Executivo com o tribunal e o Judiciário, a escolha de Dilma – que ao demonstrar tanta deferência ao campo jurídico, abre mão de parte da "autoria" dessa escolha – deixa de ousar e desagrada a outros atores políticos relevantes. Não acho que o STF tenha que ser estritamente "técnico" (até porque não acredito que possa ser) ou estritamente político (porque, afinal, é um tribunal, e, mais do que isso, uma corte constitucional), mas um equilíbrio nesse perfil é desejável, e depende em grande parte do tirocínio de quem faz a indicação. Também não estou discutindo a capacidade técnica de nenhum dos nomes que citei, mas acho que, após nomeações fortemente contestadas (como as de Barbosa e a de Toffoli), e de outras deferências ao conservadorismo (como a indicação de Peluso), um governo do PT deixaria um legado mais potencialmente inovador, nesse aspecto, se escolhesse um "figurão" mais "à esquerda", como Barroso e Fachin, já citados, ou Ela Wiecko de Castilho, lembrada nas primeiras indicações de Lula, e sempre apoiada pelo movimentos críticos ou "alternativos" de juristas.

Esse nomes, além de agradarem muitos juristas, agradariam também a forças sociais e políticas de esquerda interessadas no papel do STF na efetivação dos direitos humanos e no expansão da cidadania no Brasil. Num momento em que temas tão importantes como a Lei de Anistia, o aborto e a união civil homossexual são levados à apreciação do Supremo, um ministro capaz de desempatar uma votação ou conduzir o entendimento da maioria pode fazer toda a diferença.

Frederico de Almeida é advogado e cientista político. Participou de diversas pesquisas sobre a administração e a reforma da justiça. Foi pesquisador e Coordenador-adjunto do Núcleo de Pesquisas do IBCCRIM; pesquisador do CEBEPEJ e do Ministério da Justiça; Coordenador de Prática Jurídica da Escola de Direito de São Paulo da FGV; e Coordenador-Geral de Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação. Atualmente é assessor de Relações Institucionais da PROTESTE Associação de Consumidores. 

Edita o blog POLÍTICA│JUSTIÇA (http://politicajustica.blogspot.com)

(Artigo originalmente publicado no site Última Instância em 2 de fevereiro de 2011)

 

10 comentários:

Anônimo disse...

Joaquim Barbosa inepto? Bom deve ser o primo do Collor então.

Anônimo disse...

Quero saber o motivo de ninguém ter nem noticiado a reportagem da istoé, em que o Fux além de se fazer de diversas regalias (inclusive de pagamento de impostos), ainda as estendia pros filhos e amigos dos filhos.

http://www.istoe.com.br/reportagens/12841_O+ESQUEMA+VIP+NO+JUDICIARIO

C Sidney disse...

Artigo lúcido para que nós, cidadãos comuns, possam entender o funcionamento da Corte. No mais, não compreendi o comentário do anônimo, até porque não sou leitor da istoé. Um abraço

Fábio Medina Osório disse...

Achei excelente a escolha do FUX e o artigo confirma, na essência, essa premissa. É natural que hajam outros tantos ótimos candidatos no Brasil e Luis Roberto Barroso, além dos demais citados, certamente integram a lista, em conjunto com vários outros nomes de igual envergadura. Por isso, não me parece relevante o critério eleito: mais à esquerda ou mais à direita. Os juristas citados pairam acima dessas distinções históricas. Podem discrepar em alguns temas estratégicos, mas aposto que resultaria impossível alinhar suas posições de modo a definir aprioristicamente uma ideologia. Fábio Medina Osório

Frederico de Almeida disse...

Prezados Sidney e Fábio,
Agradeço os comentários e a participação neste blog.
Em relação à questão colocada pelo Fábio, sinceramente não acredito que um jurista - ainda mais um que atua numa corte constitucional, com evidentes funções políticas - possa estar acima de divisões e conflitos políticos. O direito não é neutro, assim como não são neutros os juristas. Ainda que a divisão "esquerda e direita" possa parecer simplista, acho que ela tem algum significado e, com algum trabalho de reflexão e sistematização de temas a serem debatidos pelo STF, é possível encontrar alinhamentos ideológicos nas decisões da Corte e dos ministros. De qualquer forma, o que eu quis apontar nesse artigo é que Dilma tinha um duplo desafio: resgatar a legitimidade das indicações presidenciais perante o campo jurídico (demanda que vem dos operadores do direito em geral), e imprimir uma marca progressista e ativista ao STF (demanda que vem de movimentos sociais e setores jurídicos ligados ao PT, aos direitos humanos e aos movimentos sociais). No caso da indicação de Fux, minha opinião é que ela optou por enfrentar apenas o primeiro desafio, quando poderia ter enfrentado os dois.
Grande abraço, e obrigado mais uma vez pela participação!
Frederico de Almeida

Anônimo disse...

Joaquim Barbosa "inepto" e "despreparado"?! Piada... O sujeito estudou na Sorbonne e nos EUA, fez doutorado fora, teve boa produção acadêmica, tem dado excelentes votos em matéria de direitos penal e processual penal e é considerado "inepto" e "despreparado"?! Só pode ser piada de mau gosto, como a que foi feita por um advogado famoso (e, dizem por aí, "dono" de várias cadeiras no STF, com uma força política enorme na hora de indicar pessoas para o cargo de Ministro do STF...) de que o Joaquim Barbosa sofreria de dor nas costas porque estaria tentando virar bípede (?!). Num país sério, qualquer imbecil que falasse uma coisa desta a respeito de qualquer outro cidadão seria processado na mesma hora. Mas como estamos neste bundalelê chamado Brasil... Bem. A imagem do Joaquim Barbosa na mídia é esta porque ele não cede às "pressões" que circulam pelos corredores do STF. Joaquim Barbosa é um sujeito sério, que veio de fora do “clubinho” que domina o mercado jurídico. É visto como um outliers porque se recusa a ceder às pressões da pequena aristocracia jurídica que domina o Brasil e se recusa a cumprir o roteiro de submissão técnica traçado por esta aristocracia para manutenção do status quo. É verdade que ele pode ter uma ou outra idiossincrasia (como a de não receber advogados de uma parte sem que os advogados da outra estejam presentes; na verdade, uma homenagem irrestrita ao direito ao contraditório) ou reagir emocionalmente em um ou outro debate; mas isto não é, de jeito algum, inaptidão ou despreparo para o cargo. Ele é tímido, reservado, bom caráter e conhecedor do direito, além de não ceder às pressões da aristocracia jurídica sobre o cargo. Já está na hora de alguém começar a deixar de tachá-lo de preguiçoso, burro e outras coisas que ouvimos nos bastidores jurídicos. Leandro

Daniel disse...

O que fica é a oportunidade perdida de nomear Fachin. Barroso é mais jovem, mais dia menos dia será nomeado mesmo. Uma pena, embora Fux seja um bom nome.

Funorg disse...

Opinião – STF acertou na decisão sobre a Ficha Limpa - veja porque no blog http://palcojuridico.blogspot.com/2011/03/opiniao-stf-acertou-na-decisao-sobre.html

Anônimo disse...

PRIMEIRA PREMISSA: a intepretação que o Supremo Tribunal Federal (STF) faz do Direito (como ciência) é platônica. Se um ET descer e decidir conhecer os humanos pela decisão dos Tribunais Constitucionais, vai pensar que o Brasil respeita mais os direitos fundamentais que a Suiça.
Sereno, lúcido, meditativo, o artigo apenas reconhece fatos. preciso, elegante, agudo, indigita o passado no presente, o Brasil do pau brasil, a colônia de exploração.
Eis a FICHA LIMPA: fiat lux, fux, ainda há seiva nesta terra rica, hoje não mais ouro, haverá petróleo no pré sal.
O Supremo e o contraste que surgiu na composição da Corte foi retratado nas palavras desse extraordinário blog com uma coragem rara, daqueles que possuem honestidade intelectual.
É como disse Saramago: se podes ver, repara.

Anônimo disse...

SEGUNDA PREMISSA: o que está morrendo, é nossa igenuidade.