sábado, 8 de janeiro de 2011

As mulheres na justiça

A posse de Dilma Rousseff na presidência da República fez com que até seus críticos e opositores admitissem a importância de se ter, pela primeira vez, uma mulher naquela posição. Nas relações privadas, no mercado de trabalho e na política a posição da mulher tem sido, de fato, secundária e desproporcional.

 

Não é diferente o que acontece no sistema de justiça brasileiro. Embora se alardeie por aí a feminização das carreiras jurídicas, os dados indicam que quando mais se sobe na hierarquia das instituições e organizações profissionais da justiça brasileira – OAB e escritórios de advocacia, tribunais do Judiciário e Ministérios Públicos – menor é a participação feminina. A primeira mulher a chegar ao nível das cúpulas da justiça foi Eliana Calmon, ministra do STJ desde 1999 – hoje são cinco mulheres, incluindo a pioneira Calmon. Até hoje, o STF só teve duas mulheres em sua composição – Ellen Gracie e Carmen Lúcia, ambas ainda em atividade, sendo que a primeira foi nomeada somente no ano 2000.

 

O TST no ano de 2007 e o CNJ em sua primeira composição (2005-2007) possuíam cinco e três mulheres em seus quadros, respectivamente. No caso dos Ministérios Públicos dos estados, estudo promovido pela Secretaria da Reforma do Judiciário mostra que as mulheres representam 33,6% do corpo de promotores, e apenas 19,2% do grupo de procuradores de justiça – proporções, ainda assim, melhores do que as verificadas entre primeira e segunda instância do Judiciário, que têm 24,8% de mulheres entre juízes de primeiro grau e 12,6% dos magistrados de segunda instância, segundo dados de pesquisa patrocinada pela Associação dos Magistrados Brasileiros.

 

Dados de março de 2010 indicavam que dos 27 tribunais de justiça estaduais e do Distrito Federal, apenas três (Alagoas, Tocantins e Bahia) eram presididos por mulheres). No que se refere à OAB, mesmo se considerando que as mulheres já são mais da metade dos advogados inscritos no país atualmente, apenas um dos quatro principais cargos da diretoria do Conselho Federal, eleita em 2009, é ocupado por uma mulher (Márcia Melaré, Secretária-Geral Adjunta). Entre os 81 membros do Conselho Federal formado nas eleições de 2009, apenas sete (8,61%) são mulheres. Por fim, é importante dizer que, naquelas mesmas eleições profissionais de 2009, nenhuma das seccionais estaduais da Ordem elegeu uma mulher como presidenta.

 

O mesmo parece ocorrer no interior da advocacia organizada nos maiores escritórios e sociedades de advogados do país: segundo dados do Anuário da Advocacia 2007, produzido pela Análise Editorial, embora entre associados (o "segundo escalão" dessas organizações privadas de advogados) as proporções de membros do sexo feminino (48%) e masculino (52%) sejam bastante equilibradas, entre sócios (a liderança das organizações de advogados) os homens predominam em proporção sensivelmente maior (75%) do que a de mulheres (25%). Importante observar que, sendo pequena a diferença entre os números de anos completos desde a formatura no curso de direito de sócios (formados há doze anos, em média) e de associados (formados há oito anos, em média), a diferença entre as proporções de homens e mulheres verificadas nos dois grupos de advogados não pode ser atribuída a uma progressiva feminização, verificável entre gerações diferentes, mas sim, exclusivamente, a uma estrutura de poder e dominação entre os gêneros estabelecida no interior das organizações de advogados.

 

Os dados sobre os advogados indicam, portanto, que não se trata apenas de um problema quantitativo e geracional. Há, de fato, uma divisão sexual do trabalho jurídico, que atribui papéis e funções aos membros das carreiras jurídicas de acordo com o gênero. Isso se percebe na menor presença das mulheres nas posições superiores das hierarquias jurídicas, mas também em certos estereótipos criados – muitas vezes de forma falsamente elogiosa – acerca de como as características femininas se adequam melhor a certas funções do trabalho jurídico ("mulheres são melhores juízas de família porque entendem melhor do assunto"; "mulheres são melhores/piores juízas porque usam a sensibilidade, e não só a razão no ato de julgar", etc), ou de como a mulher se distancia dos atributos femininos, associando o rigor e a dureza no trato (especialmente no caso de juízas) a características positivas (e masculinas) de uma boa profissional (o estereótipo da juíza ou advogada "durona").

 

Por meio desses mecanismos de distinção social, o acesso das mulheres às posições de poder fica prejudicado. Por outro lado, aquelas mulheres que conseguem chegar às posições de poder na justiça brasileira tendem a negar o efeito de discriminação, ou a ter sua própria posição, por mais isolada que seja, como um exemplo de que essa divisão sexual do trabalho jurídico é coisa do passado, ou um bloqueio facilmente superado. Além disso, não raro o acesso dessas mulheres às posições de poder se dá na fase de maturidade avançada, após a maternidade e o casamento. As poucas mulheres presentes no STJ e no TST em geral chegaram àqueles tribunais com mais de 50 anos de idade, já com filhos crescidos ou sem filhos, muitas delas divorciada. Entre seu colegas homens, é bem mais comum que tenham chegado com idades entre 40 e 50 anos, e com seus casamentos preservados e filhos criados. Dessa forma, os papeis socialmente atribuídos às mulheres como mães e esposas impedem que elas construam caminhos mais curtos em suas trajetórias rumo ao topo das carreiras jurídicas.

 

Alguns analistas dizem que Dilma Rousseff não conseguiu compor seu ministério com tantas mulheres quanto gostaria, embora o número alcançado seja recorde na história brasileira. Com isso, sugerem alguns, há grande chance de que a nova presidenta da República indique uma mulher para a vaga há meses aberta com a saída de Eros Grau do STF. Se isso acontecer, será mais uma fato simbólico importante desse governo e, se não muda toda a estrutura de desigualdade presente na distribuição do poder entre homens e mulheres no sistema de justiça brasileira, pode ser um começo e um incentivo.
 

Frederico de Almeida é advogado e cientista político. Participou de diversas pesquisas sobre a administração e a reforma da justiça. Foi pesquisador e Coordenador-adjunto do Núcleo de Pesquisas do IBCCRIM; pesquisador do CEBEPEJ e do Ministério da Justiça; Coordenador de Prática Jurídica da Escola de Direito de São Paulo da FGV; e Coordenador-Geral de Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação. Atualmente é assessor de Relações Institucionais da PROTESTE Associação de Consumidores. Edita o blog POLÍTICA│JUSTIÇA (http://politicajustica.blogspot.com).

(Artigo originalmente publicado no site Última Instância em 8 de janeiro de 2011).

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá!

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Caso haja interesse, entre em contato!


Atenciosamente,
Cristiano
contato@webreside.net

Anônimo disse...

Conteúdo de direito

do que só cabe no dever ser
do que não chega até o suporte fático
realidade – dos textos jurídicos tão alienada
princípíos a que clama toda alma amargurada
daquilo que silencio, do qual não se diz nada
gritar para si mesmo sem saber como fazer
consolidar artigo quinto e cartas da mais alta alegoria
símbolos todos ou um quadro de Gauguin
nossas próprias mãos desataremos
estender ao amigo ermo solidária solidão
quem sou eu pra incluir alguém? quem sou pra fazer nada?
estou num grupo, numa classe e não sou isto
meus conjuntos se intercalam com outros tantos
como enxergar a conexão que há entre mim e o mendigo
que não me sustentará com honorários e, ainda assim, é quem mais precisa de meus serviços
fé, doação, caridade não são princípios do estado a que sirvo
é pela ordem que venho analisar o rebuliço
liberdade e igualdade na lei, no moinho e no morro
ah, fardo pesado, lutei tanto pra aprender e agora só quero da origem escapar
uma estrada, uma só estrada
olhar, olhar e ver, dar visibilidade
realidade crua, nua, difícil porque me compromete
uma só estrada pra seguir
é a linha de onde vim endereço da partida pro lugar aonde vou chegar?
listar os deserdados? fazer estudos de caso?
convocar sociólogos e antropólogos pra revolução jurídico-social?
ah, direito, entidade conservadora
como posso eu te ajudar a concretar?
tu que nasceste das demandas constituídas
como convives com essa massa excluída de direitos indiscretos
da correção monetária do crédito escritural à saúde de um trabalhador químico-industrial
como em ti refletir as cotas, os ensaios, os perdões, as brincadeiras das crianças descalças?
pensamento em curva, linha cruzada, vida turva, precisa-se clarear
quero falar um pouco do mundo que conheço
onde direito é só uma faculdade pra se ter terceiro grau
talvez não me leve a nada
é só a estrada que importa
terra, falta, granito e sal
os meninos da nossa rua
as enchentes das nossas casas
os pesadelos dos nossos pais
a saúde do namorado
a penosidade das colegas municipárias
a educação que se esquiva por entre os muros da escola social
o risco de curto circuito por uma iluminação precária, informal
a água está rolando pela tua calçada
uma distribuição tola do mal
tudo que vai há de voltar
isto se, com o impulso, não nos derrubar no próprio lugar
falar do olhar escondido no olho do menino na sinaleira?
a arte do direito de ser e viver é ponte que eu também preciso arquitetar