Sugestão de mudanças no Exame de Ordem
Pode até não interessar muito uma opinião individual, mas já que a tribuna é livre, ainda bem, emito o pensamento que me ocorre.
Não é mistério que aumentaram geometricamente as vagas em cursos Jurídicos no País, também aumentaram e muito as vagas encerradas por atuação do MEC em parceria com a própria OAB-Federal contra a baixa qualidade dos cursos. Contudo, ainda parece demasiadamente desproporcional a relação entre os candidatos diplomados em Direito e os crdenciados pela OAB para o exercício profissional da advocacia (quase 90% reprovados).
O Exame de Ordem se encontra inegavelmente legalizado, dispensando citações, mas a Constituição não se interpreta em tiras, como diria o Professor Eros Grau, nem se pode submeter a Constituição à Lei, e sim o contrário. Pode até ser revertida a decisão pioneira do TRF5, mas é inegável que o debate está aberto e o Direito é forjado nesses momentos de acaloradas tensões.
Penso que há, pelo menos, um risco abstrato de conflito de interesse em uma organização classista definir quem está habilitado a ingressar naquele nicho profissional. Nada inconstitucional em se estabelecer legalmente provas de habilitação mínima para exercício de direitos que podem influenciar até na vida alheia, fosse assim exigiríamos o fim das provas para CNH e respectiva renovação, porém, perdoem a comparação, soaria algo impróprio se a Federação dos Taxistas fosse a responsável pelo filtro dos futuros habilitados a eventuais concorrentes de mercado.
Longe disso OAB é das instituições mais necessárias à Democracia neste país, e cumpre papel inegável na luta pela melhoria do ensino jurídico, todavia pode estar se tornando anacrônica, se não repensar o papel estratégico que pode ter o Exame de Ordem. É preciso reformar o Exame, dialogar com o quadro de realidade que se apresenta.
Minha sugestão:
Fase 1 "Estágio Probatório": O diplomado em Direto poderia exercer a advocacia livremente por três anos, com uma espécie de Carteira Provisória, na qual figuraria, além da validade, a Instituição de Educação Superior na qual o estudante se formou, bem como a avaliação que o MEC faz da mesma, o que, além de orientar o "cliente", jogaria mais pressão pela melhoria do ensino.
Essa fase serviria para a quarentena de entrada dos Concursos Públicos que a exigem, bem como para que o profissional fosse sabatinado pelo dia-dia da advocacia e testasse sua aptidão prática. Nessa fase a Magistratura e o MP, por certo, avaliariam com a devida cautela a petição do advogado "em estágio probatório", para evitar prejuízos aos cidadãos representados e a Ordem poderia organizar tutorias especializadas para os casos mais graves e que pudessem gerar risco ao cliente.
Fase 2 "Exame de Ordem Obrigatório" Após os primeiros três anos, aqueles advogados que passaram pela quarentena sem nenhum ato desabonador e com um mínimo de exercício profissional, se ainda tiverem interesse em continuar advogando, fariam exame obrigatório para a Carteira definitiva.
Com certeza muitos advogados se dirigiriam para outras possibilidades de exercício profissional do Direito, já aqueles que se revelaram inaptos para o exercício da advocacia com o mínimo de qualidade, a ponto de cometer infrações funcionais ou atos desidiosos, seriam submetidos aos procedimentos cabíveis pela Ordem e, obviamente, após o devido processo, seriam impedidos ou não de realizar a prova, pelo tempo julgado pertinente e conforme as condições de reabilitação julgadas necessárias.
"Fase 3" Renovação e Certificações especiais. A cada 5 anos, ou em prazo mais adequado, o advogado deveria passar por uma fase de renovação da carteira, que não seria uma nova prova, mas uma espécie de curso de atualização, ou a demonstração de que assistiu a um numero razoável de horas-aula em cursos considerados equivalentes.
Também a Ordem poderia criar certificações especiais, para advogados com mais tempo de experiência ou com especializações de alto gabarito, titulações acadêmicas, etc. O que funcionaria como um estímulo para o profissional e também uma indicação clara ao cliente e ao mercado da característica diferenciada daquele advogado.
Uma renovação modernizante no Exame de Ordem traria benefícios à Instituição, à Justiça e à população usuária dos relevantes serviços da advocacia brasileira. Mas é preciso enfrentar o problema e achar as melhores soluções. Ou vai se acabar, desculpem-me a falta de criatividade, mas não sou escritor mesmo, indo a criança junto com a água turva.
Ademir Picanço de Figueiredo (31) é Servidor Público Federal da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, graduado em Direito pela USP e Mestre em Direito pela UFPA, Inscrito na OAB-PA nº 12.023.
6 comentários:
Prezado Frederico de Almeida,
muito interessante, o artigo. A ideia de sobrecarregar a Magistratura e o Ministério Público com mais esta missão, de avaliar petições dos advogados em estágio probatório, não somente é irrealista (jamais a cumprirão), como tiraria uma das atribuições da OAB, que é a de fiscalização do exercício da profissão. A missão nova dos magistrados e do MP seria realmente hercúlea, pois, sem o filtro do exame da Ordem, milhares e milhares de novos advogados seriam arrmessados no mercado a cada semestre. Alguns deles, analfabetos, como as reportagens e pesquisas sobre os bacharéis de Direito bem demonstram.
É de perguntar como estes advogados de segunda classe (o que, formalmente, eles serão) encontrarão lugar no mercado. Despachantes?
A ideia de certificação especial é muito singular porque também ela quebraria a igualdade formal entre os advogados e kevaria a um tráfico de influência mais pronunciado. As lógicas hierárquicas e de compadrio do Antigo Regime reinariam soberanas.
Abraços,
Pádua
Caro Pádua,
Em primeiro lugar, peço desculpas pela demora em responder ao seu comentário.
Apesar das sugestões não serem de minha autoria, tomo a liberdade de defender algumas ideias do amigo Ademir. Concordo com você que sobrecarregar a magistratura e o MP com a avaliação profissional dos advogados pode ser inadequado, tanto do ponto de vista operacional quanto conceitual. Também acho que certificações especiais podem aprofundar divisões hierárquicas, e que há nisso um problema - entretanto, temos que admitir que essas divisões já existem, e são ditadas pelo valor simbólico dos diplomas de graduação e de pós-graduação, e também pelo mercado dos escritórios de advocacia, certo?
Por outro lado, gosto da ideia geral de uma avaliação contínua, flexível, e com a possibilidade de permissão de atuação profissional livre nos primeiros anos. Sinceramente, não acho que faça sentido avaliar a capacidade profissional de alguém que acabou de se formar, e que tem pouca ou nenhuma prática profissional. Também acho ruim (e perigoso) conceder uma autorização para o exercício profissional e nunca mais voltar a avaliar sua atuação e sua conduta. No caso dessa autorização provisória para o exercício profissional nos primeiros anos, acho que ela poderia estar restrita a alguns tipos de atos: representação em juizados especiais, alguns atos extrajudiciais praticados em cartórios, etc...
Espero que mantenhamos esse debate!
Grande abraço,
Frederico
Prezado Frederico de Almeida,
entendi que o artigo não era seu, está bem claro no blogue, que é muitobem escrito, por sinal.
O seu argumento do poder dos fatos não me parece o melhor sempre (muitas vezes será o melhor para atender ao poder), principalmente nos momentos em que a lei deve ser contra-fática. Com isto, "temos que admitir que essas divisões já existem", você quer formalizar o que é apenas simbólico?
Acho muito perverso em uma sociedade tão afeita a privilégios de origem e linhagem.
Continuo achando irrealista que o MP e a magistratura queiram tomar para si aquelas responsabilidades. E, se o tomarem, será apenas como exercício de poder - controlar quem pode ou não advogar, com que certificados ou não. É claro que daí para uma advocacia submissa não há nem um passo.
Abraços, Pádua.
Caro Pádua,
Longe de mim querer apenas formalizar desigualdades já existentes. Só alerto para o fato de que elas existem, e que não podemos pensar em mudanças sem considerar esse fato. A questão é: como permitir a inclusão social e profissional do enorme contingente de bacharéis em Direito (advogados ou não) em um mercado de trabalho justo e acessível? Para isso, acho que temos que pensar para além da advocacia com opção primeira do bacharel. E a advocacia (ou melhor, a OAB), se quer preservar a dignidade da profissão num país com carência de acesso à justiça, deve pensar além do controle de um mercado saturado e sufocado pelo monopólio profissional.
Enfim, o principal ponto que gostaria de defender é que a OAB deve flexibilizar e inovar na avaliação e no controle do exercício profissional, e por isso gosto da ideia do Ademir de um avaliação continuada. O Exame, como é hoje, avalia pouco, e só serve de barreira inicial ao exercício profissional.
Grande abraço,
Frederico
Eu precisaria reler e analisar com mais calma pra contribuir com ideias e agregar-me mais apropriadamente às sugestões do Mestre. Porém, posso afirmar, expondo os dados da atual e recente experiência própria - valho enquanto número - que me preparei para começar o meu estágio somente após conquistar meu direito à atuação profissional como advogada. Sou minha estagiária, minha empresária, minha office girl, minha pesquisadora, minha avaliadora de mercado, etc, e, a cada ação, testo minhas habilidades em cada área do direito, tendo realizado diversos testes psicotécnicos comigo mesma: atendimento ao cliente, "pós-vendas", exercicio de comunicação, especialmente de escuta e tradução do mundo jurídico, previsões orçamentárias, administração do meu "negócio" (não gastar mais do que recebo a título de despesas, sem deixar de atender às necessidades do cliente - um labirinto!), reconhecer falhas, colmatar o que for possível com humildade e diligência, dosar afeto, preocupação e encaminhamento de soluções práticas, relacionamento com colegas e escrivães...uma lista infindável de conhecimentos impossíveis de serem testados intelectualmente e mesmo, acho, de serem adquiridos formalmente...Venho me tornando advogada a partir do momento que assumi meu primeiro cliente, meu primeiro caso e suas consequências - que, aliás, fui eu mesma, através dos Juizados Especiais Cíveis, na área de Direito do Consumidor. Caminho bonito e árduo pra que eu me sinta capaz de exercer a profissao com a autonomia que ela exige. Estudar, sim, sempre. "Aplicar é que são elas"! Exatamente: ciente dos 3 anos pra que eu me voltasse aos concursos públicos, há muito considero este período a prática jurídica indispensável como critério pra eu decidir se permanecerei advogando e em qual área. Estou no meio da "residência geral", depois é que vou pensar em me especializar. Assim, parece, as sugestões de Ademir são muito coerentes. Fazer concurso público também é isso, é habilitar-se a uma atuação (aplicação) através do estágio de 3 anos...
O artigo é interessante. Mas ela persiste com a idéia de obrigatoriedade do exame da OAB. Mais: cria compulsoriamente um “advogado de 2ª classe” que seriam aqueles que exerceriam a profissão nos 3 anos seguintes à formatura. O melhor ponto é a certificação. Esta idéia eu assino embaixo. Falei a mesma coisa, aliás, em 2009 num outro blog (http://direitovolver.wordpress.com/2009/07/04/juizes-sem-formacao-juridica/). Mas acho sinceramente que o artigo não toca no ponto crucial: o exame da OAB é algo decrépito, anacrônico, que tem pouca utilidade quando se pensa no acesso a uma profissão. O exercício de qualquer profissão só pressupõe formação educacional e, não, um exame qualquer aplicado por uma corporação de profissionais já estabelecidos. É assim com engenheiros, médicos, arquitetos, dentistas etc. Por que com a advocacia, a mais liberal das profissões, não tem de ser assim? O que faz um bom profissional da advocacia é uma boa formação educacional e, não, a aprovação no exame da OAB. E não adianta imaginar que a qualidade dos serviços advocatícios estará garantida pela realização de um único teste de conhecimento antes mesmo do início da carreira profissional. Isto é equivocado e desvia o foco do que deveria ser nossa principal preocupação, que é como fazer um ensino jurídico de qualidade, com métodos pedagógicos eficientes. Hoje estamos mais preocupados em saber se passaremos no exame da OAB e quantos conseguiram superar esta barreira que em ter ciência se a nossa faculdade de direito é boa, ou se nela pratica-se um ensino com métodos participativos e inovadores, ou se os professores têm produção científica. É por aí. Leandro
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