terça-feira, 17 de agosto de 2010

A assessoria de comunicação oficiosa do STF

O papel de assessoria "oficiosa" de comunicação que se prestam Márcio Chaer e sua revista eletrônica Consultor Jurídico ao STF (e às posições de poder da justiça brasileira, em geral, como já analisei) chegou ao ridículo com a reportagem-editorial-manifesto que aquele jornalista produziu em resposta à reportagem da revista Piauí sobre o Supremo. A reportagem da Piauí do mês de agosto só está disponível na internet para assinantes, mas o Blog do Frederico Vasconcellos, da Folha, publicou um resumo que dá uma boa ideia do que se trata. O texto-resposta de Márcio Chaer pode ser encontrado aqui.
De fato, como aponta Chaer, há imprecisões técnico-jurídicas no texto de Maklouf - por exemplo, quando ele confunde "receber denúncia" com "condenação". Uma revisão técnica da reportagem da Piauí não lhe faria mal, mas o tropeço não é exclusivo daquela publicação e pode ser cotidianamente verificado em reportagens sobre o Judiciário, inclusive nas ditas "especializadas".
 
Agora, dizer que o texto da Piauí não analisou a fundo a jurisprudência do STF ou seu papel político-institucional na República brasileira, e por isso é falha, é uma bobagem. Para o leitor leigo (e mesmo para o jurista com a cabeça minimamente aberta) o interesse na reportagem da Piauí - que não é revista especializada - está justamente no que ela traz, e muito bem: os bastidores, as rixas entre os ministros, e questões de estilo de trabalho e de vida, como hábitos pessoais, decoração de seus gabinetes e modos de se vestir. Para o analista curioso de qualquer instituição, isso tudo é tão importante quanto a descrição "objetiva" de seus ritos burocráticos e decisões formais. Por isso, a utilidade e a vantagem da reportagem da Piauí estão justamente em abordar o STF como eu gostaria de ver, "por dentro", qualquer outra instituição de poder - o Exército, a Igreja, o Itamaraty ou o Corinthians - ou seja, sem entrar no mérito de seu funcionamento específico, mas demonstrando aquilo que ele possui de humano, como toda instituição.
 
Além disso, força a barra o Márcio Chaer ao se referir "a uma pessoa de nome Conrado Hübner Mendes", ao acusar um dos críticos do Supremo citados pela Piauí. Ou se trata de ignorância, ou de pura má-fé. Como jornalista, Chaer deveria ter se aprofundado em pesquisas, e certamente descobriria que Conrado Hübner Mendes é um pesquisador com sólida formação e dedicação a assuntos relacionados à Constituição e ao STF. O fato de residir e estudar na Escócia, país sem jurisdição constitucional, não torna Hübner Mendes menos apto a opinar sobre o STF, objeto que vem estudando há não pouco tempo: ele é brasileiro, graduado em Direito pela PUC/SP e mestre em Ciência Política pela USP. Se ele não analisa o Supremo com o olhar reverencial e laudatório que muitos juristas e publicações especializadas o fazem, ponto para ele. Agora, se Márcio Chaer leu e discorda das opiniões de Hübner Mendes (e eu duvido que o editor do Consultor Jurídico tenha lido mais do que as palavras entre aspas publicadas na Piauí), deveria expor sua discordância com mais rigor e lealdade, e com menos pressa e deselegância. Eu mesmo discordo - ou melhor, não estou muito convencido - de que a publicidade das sessões do STF e a falta de decisão por consenso são um mal em si, como sustenta Hübner Mendes, mas não o acho nem um pouco desqualificado para emitir esse tipo de juízo, o que o faz com amparo em pesquisa e comparação com outras cortes constitucionais.
 
No que se refere às ilações, supostamente feitas pela revista Piauí, sobre ligações e relações pessoais que ministros do STF mantêm com réus e advogados que se submetem ao julgamento do Supremo, também não vejo mal na forma como o texto de Maklouf as apresentou. Não sou ingênuo a ponto de ignorar que, sim, o jornalista quis colocar uma pulga atrás da orelha do leitor e insinuar, ainda que sem afirmar, ligações suspeitas entre julgados e julgadores. Mas também não se pode ser ingênuo a ponto de ignorar que elas existem. Quem é do campo jurídico sabe que a comunidade dos "figurões" do Direito é um mundinho pequeno, onde todos se conhecem - e, acredito eu, são justamente esses laços de proximidade que mantêm esse círculo de poder estreito e sólido, como procurei demonstrar em minhas pesquisas. Não que, por conta dessa proximidade, as decisões de ministros do STF tomadas a favor de seus "conhecidos" não tenham fundamento técnico-jurídico adequado e consistente. Mas eu, como pesquisador do sistema de justiça e cidadão, prefiro saber quando o ministro do Supremo janta com o advogado de réu que acabou de absolver, a morrer na ignorância dessas ligações. E, sinceramente, muito me incomoda ministro do Supremo (ou qualquer juiz de qualquer tribunal) jantar com o advogado de réu que acaba de absolver ou libertar, num jantar oferecido justamente para homenagear o ministro do Supremo por sua decisão. Como diria um velho advogado que me ensinou muito quando fui estagiário de advocacia, "justiça não se agradece: se reconhece".
 
Por fim, se algum ministro do Supremo se sentiu lesado pela reportagem da Piauí, o Judiciário tá aí pra isso, para garantir direitos e reparar danos (a Lei de Imprensa não está mais à disposição, mas isso foi decisão do próprio STF...). Certamente, os ministros incomodados conhecem muitos e bons advogados que aceitariam a causa contra a editora da revista com o maior prazer, apenas por conta da amizade que os une. O que não dá, fica feio, é que uma publicação especializada, que se diz independente, faça as vezes de advogado e assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal.
 
 
 

 

3 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Dr. espero que o Sr. esteja sendo bem pago pra fazer esta defesa, mas cuidado com o tiro no pé.
A Veja tem apresentado leituras contrárias ao que o Sr. disse.
Com relação a Piauí, embora eu não esteja senho paga para defende-la, até porque sou acadêmica. O direito por ser dito serve apenas para seus pares. Enquanto que o direito de dizer o direito é de todos, assim como a CRFB/99 diz. O direito deve ser dito para além do juridiquês. A Piauí, quebra rótulos e traduz com muita capacidade o que presenciou. Os danos que sejam comprovados mediante ação própria aos que se sentiram lesados. E como diria Sócrates Fusinato: "a que rebanho julgas pertencer leitor de agora"?

Frederico de Almeida disse...

Anônima,

Não ganho nada, de ninguém, para dar minhas opiniões, apenas as dou.

Ou não entendei seu comentário ou você não entendeu o que escrevi. Ou ambos.

Por fim, esse foi o último comentário anônimo que permiti em meu blog. Gostaria que você tivesse coragem de dizer, e assinar embaixo, que defendo ideias porque sou pago para isso - assim como gostaria de dialogar com alguém que, além de se identificar, soubesse expressar melhor as suas ideias.