O artigo de Ricardo Augusto Reali, publicado no Consultor Jurídico, e ao qual faço referência nessa postagem (http://www.conjur.com.br/2009-abr-05/supremo-manter-atividade-juridica-quem-pos), já tem algum tempo, mas levanta uma questão importante, que tenho enfrentado em minhas pesquisas sobre as trajetórias acadêmicas dos profissionais do Direito, e também na minha atual experiência profissional no Ministério da Educação.
Trata-se da ADIN ajuizada pela OAB contra as resoluções do CNJ e do CNMP que consideram como atividade jurídica, para fins de contagem de tempo exigido em concursos para a magistratura e o MP, a realização e aprovação, pelos candidatos, de curso de pós-graduação lato sensu. Basicamente, defende a OAB que curso de especialização é atividade de ensino, e não propriamente atividade jurídica profissional, como poderia se considerar o tempo de advocacia, em carreira jurídica de Estado, ou mesmo a experiência como serventuário da justiça.
Não sem razão a OAB: afinal, a idéia inicial da exigência de tempo mínimo de atividade jurídica para ingresso nas carreiras de Estado, introduzida pela Reforma do Judiciário de 2004, era justamente a de garantir a verificação do acúmulo de um mínimo de experiência profissional antes do ingresso naquelas relevantes funções da administração da justiça. E cursos de especialização, convenhamos, não garantem a experiência que, acredito, seria de se esperar para o ingresso em uma carreira jurídica, nos termos do que dispôs a Emenda Constitucional nº 45/2004.
A expansão da pós-graduação lato sensu no Brasil, especialmente na área jurídica, tem demonstrado efeitos significativos nas trajetórias acadêmicas e profissionais de juízes, advogados e promotores. Dados de surveys aplicados a essas carreiras (veja referências abaixo) indicam que o número de portadores de títulos de especialização supera o de mestres e doutores; indicam também que a realização de um curso de especialização tem objetivos diretamente ligados ao desenvolvimento da carreira profissional, já que a maior parte desses especialistas não se dedica à atividade docente (atividade que poderia ser de se esperar de um pós-graduado, já que muitos cursos de Direito compõem seus quadros docentes com participação siginificativa desses especialistas). Além disso, as pesquisas sobre a composição das carreiras jurídicas indicam também que a advocacia tem se mostrado uma aposta cada vez mais incerta (quando se decide pela banca própria) e custosa, em termos de dedicação (quando se opta pela posição de empregado em um escritório) para aqueles bacharéis que têm no horizonte de médio e longo prazo a estabilidade e a segurança financeira de uma carreira no Estado. Daí porque a dedicação aos estudos para concursos é em geral tida por absoluta por esses bacharéis; daí também porque muitos dos cursos preparatórios para concurso se credenciaram junto ao MEC para que os estudos realizados sejam considerados também um título de especialização - fechando um ciclo incentivado pela aceitação desses cursos como "atividade jurídica".
A relativa facilidade para a criação de cursos de especialização, e ausência de regulamentação mais rígida para as funções de regulação e supervisão desses cursos pelo MEC (se compararmos com o que ocorre em relação à graduação e à pós-graduação stricto sensu) decorre do fato de que a pós-graduação lato sensu não é vista como uma etapa da carreira acadêmica (bacharelado-mestrado-doutorado), mas sim uma complementação de estudos, com fins de aperfeiçoamento profissional. Por outro lado, a expansão desses cursos, e as expectativas do mercado de trabalho pelo aperfeiçoamento e pela competição profissional relacionados à posse do título de especialização, têm levado o MEC a rediscutir a regulamentação desse tipo de ensino, especialmente no que se refere à capacidade de regulação e supervisão dos cursos de pós-graduação.
Saiba mais:
CUNHA, Luciana Gross, BONELLI, Maria da Glória, OLIVEIRA, Fabiana Luci de, e SILVEIRA, Maria Natália B. da. Sociedades de advogados e tendências profissionais. Revista Direito GV, São Paulo, v. 3, n. 2. jul-dez. 2007, pp. 111-138
SADEK, Maria Tereza (org.). Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro, FGV, 2006
SECRETARIA DA REFORMA DO JUDICIÁRIO. Diagnóstico do Ministério Público dos Estados, Brasília, Mínistério da Justiça, 2006 (disponível em http://www.mj.gov.br/reforma/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={8F188EA4-79DB-42C3-9EF3-6BCF1E8615B2}&ServiceInstUID={74528116-88C5-418E-81DB-D69A4E0284C0)
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