A política da advocacia para o ensino jurídico, embora no discurso aponte para um problema de qualidade da formação profissional, tem por substrato preocupações corporativas com a expansão da base profissional, seu assalariamento e empobrecimento. O crescimento da quantidade de bacharéis em direito gera de fato pressões sobre o controle do exercício profissional que a advocacia exerce por meio da Ordem, e a qualidade da prestação profissional é apenas um de seus desdobramentos. Percepções de dirigentes sugerem que grande parte da movimentação processual do Tribunal de Ética e Disciplica da OAB de São Paulo é de processos disciplinares por inépcia profissional de advogados - o que confirma que a expansão da quantidade gerou problemas de qualidade, mas também que nem o rigor mostrado pela OAB na aplicação de seu Exame de Ordem como barreira de seleção e recrutamento parece conseguir impedir.
Por mais autônomas - e, nesse sentido, profissionais - que sejam, as profissões juridicas relacionam-se com o Estado em torno de três campos de políticas estatais: a do ensino, que vai legitimar e oficializar as expertises e titulos característicos da profissão; a de organização da justiça, que inclui a própria organização profissional, e por isso estabelece as divisões do trabalho jurídico a partir do trabalho judiciário e processual; e, por fim, o campo de políticas mais amplas que definem direitos e regulam a vida social, e, em última análise, o campo de atuação da profissão. No caso da advocacia, não é exagero dizer que a OAB tem orientado suas políticas nessas três frentes pelo predomínio, em sua agenda, de temas relacionados à própria organização profissional, mais especificamente, à sua capacidade de controle sobre o exercício profissional. Embora formalmente essa capacidade esteja bem definida pelo Estatuto da Advocacia, e relativamente bem sedimentado na relação com as demais profissões jurídicas, o controle sobre o mercado, aspecto fundamental do profissionalismo, vem sendo afetado pela expansão do número de bacharéis. Isso fez com que nas últimas décadas, as demandas propriamente profissionais ("corporativas") da advocacia extrapolassem o campo da política de organização da justiça, para impactar as políticas da advocacia também para os direitos e para o ensino jurídico: no primeiro caso, orientando a ação da OAB na defesa e ampliação do monopólio profissional sobre novas áreas de regulação social e esferas de resolução de conflitos, e também na resistência política a reformas de acesso à justiça informalizantes e desburocratizantes de procedimentos; no segundo caso, sustentando as pressões e gestões políticas da OAB em busca de acesso às arenas decisórias da política de ensino jurídico - paradoxalmente, uma área do Estado relativamente imune à influência da OAB, se comparada com sua participação na organização da justiça (concursos públicos, quinto constitucional, controle externo) e na representação da sociedade civil em arenas oficiais de participação e representação da sociedade civil em políticas públicas (conselhos consultivos).
Por isso a vinculação da avaliação do MEC aos resultados do Exame de Ordem pode ser considerada uma vitória da OAB em sua política para o ensino jurídico. Afinal, desde pelo menos o início dos anos 80 a expansão do ensino jurídico privado é tema de pauta, e pelo menos desde a década de 1990, também de agenda política da Ordem. Nesse sentido, foram inúmeras as gestões da OAB junto ao MEC para que seus pareceres, já previstos formalmente no processo de aprovação de cursos jurídicos, tivessem efeitos vinculantes na decisão final do Estado. Importa saber, agora, qual o alcance efetivo desse episódio sobre a política de ensino jurídico, e também por quais caminhos se deu essa influência aparente da Ordem.
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
A OAB e o ensino jurídico
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