O protesto de ontem em São Paulo foi uma mistura de pautas e reivindicações. Para além da questão da tarifa do transporte público, a absurda reação policial na quinta-feira passada despertou uma massa de apoiadores que canalizaram suas insatisfações difusas para um movimento que tinha uma pauta bem definida.
Nada contra. Acho que, inclusive, o Movimento Passe Livre ganha em força e legitimidade quando serve de canal para a expressão dessa insatisfação difusa com governos, sistemas políticos e políticas públicas. Até a data de ontem ouvi muitas críticas ao movimento, no sentido de que haveria outras pautas mais importantes do que os 20 centavos: a corrupção, o mensalão, a Copa, a saúde, a educação, etc. Pois é: ontem essas pautas estavam todas lá, juntas e misturadas. Restam àqueles críticos, agora, duas opções: ou se engajam nos movimentos que tanto esperavam acontecer, ou se acomodam em seu conformismo e deixam os outros protestarem em paz.
Mas há um risco nessa profusão de reivindicações. O risco mais imediato é para o próprio Movimento Passe Livre, que pode ver suas reivindicações de redução da tarifa e melhorias no transporte público diluídas entre outras tantas pautas. O risco de médio prazo diz respeito à própria sustentabilidade política de movimentos como esse, espontâneos, anencéfalos (ou policéfalos) e com muitas reivindicações ou com reivindicações muito generalistas. Como disse em entrevista recente o sociólogo Manuel Castels, essa é a força e a fraqueza desse tipo de movimento.
O fato é que há um fenômeno novo, difícil de ser compreendido e mais difícil ainda de ser encarado pelo sistema político e pelas instituições estatais. Partidos à esquerda do PT, que têm o mérito de ter apoiado o Movimento Passe Livre desde o início, foram ontem rechaçados por manifestantes que gritavam: "sem partidos!" e os acusavam de oportunismo. Partidos tradicionais da direita e da esquerda (neste caso, para dar nome aos bois: o PT) viam no início dos protestos em São Paulo apenas baderna e desordem, além de incompreensão quanto às exigências técnicas do aumento das passagens. Desde quinta-feira, tenho ouvido militantes do PT acrescentarem às suas preocupações o fato de que essas manifestações, ao incorporarem uma insatisfação difusa, dão vazo à oposição social e política ao projeto petista para o país. Ao mesmo tempo, setores da oposição ao PT aproveitam essa súbita maré de insatisfação para incrementar suas ações e seus discursos oposicionistas.
Quem vai dar as respostas capazes de determinar o futuro desse tipo de movimento serão os próprios atores nele envolvidos. Cabe aos setores mais organizados do Movimento Passe Livre manter sua pauta original blindada contra influências que desviem seu foco de ação. Cabe aos outros setores, que se aglutinaram ao movimento original por razões diversas, medirem suas forças e sua capacidade de transformar a insatisfação difusa em resultados políticos concretos. Afinal - e como devem ter percebido até os mais conservadores e acomodados militantes que ontem foram à ruas com a impressão errônea de terem inaugurando as lutas sociais no Brasil - é no conflito que se faz a política.
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