terça-feira, 12 de março de 2013

A tirania da maioria e os direitos das minorias

Do aristocrata francês Tocqueville aos federalistas norte-americanos, das primeiras democracias burguesas censitárias às experiências institucionais de socialismo democrático, teorias e práticas sobre a democracia moderna enfrentaram o difícil problema de se conciliar a soberania da vontade popular com a cautela de se evitar uma possível ditadura da maioria. Entre erros e acertos, experiências e teorias mais ou menos elitistas, temos hoje um razoável consenso de que um regime político não é democrático apenas quando se manifesta e se cumpre a vontade da maioria; para ser democrático (e, em certa medida, republicano), ele precisa permitir também a manifestação da vontade das minorias e salvaguardar seus direitos.


Por isso é que em 2011, diante de um Congresso Nacional de maioria conservadora, refratário à possibilidade de se aprovar lei regulamentando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo Tribunal Federal agiu de maneira contramajoritária, ao estabelecer a possibilidade constitucional de união civil homossexual.


E é por isso também que soa oportunista e descabida a ideia de se realizar plebiscito para submeter à decisão popular a instituição ou não de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa proposta já apareceu, em versão modificada (sobre a legalização do aborto), na fala de Marina Silva, que se coloca na posição de arauto de uma "nova política" mas não consegue superar as contradições de sua própria visão de mundo, voluntarista e religiosa, nem os conflitos entre os interesses que sustentam a criação de seu novo partido - "nem de esquerda, nem de direita", como dito por ela e seus apoiadores.


Agora, a proposta reaparece na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, presidida pelo pastor Marcos Feliciano, representante político do obscurantismo religioso e que já expressou sua visão preconceituosa e contrária aos direitos das minorias étnicas e sexuais. A ideia do plebiscito não é descabida só porque o STF já decidiu sobre isso - e em decorrência de sua decisão, uniões civis têm sido convertidas em casamento. A proposta do plebiscito sobre o assunto é descabida principalmente porque condicionar a efetividade de direitos das minorias à vontade das maiorias é uma subversão do regime democrático. 


Essa subversão é especialmente oportunista e perversa porque se traveste de democrática - afinal, sugere que é a vontade da maioria que decide, em última instância, sem representantes. Não me espantarei se Marcos Feliciano e a bancada evangélica no Congresso Nacional, que têm sido contrários ao casamento igualitário e mesmo à proposta de plebiscito sobre o tema, passarem a apoiar o projeto de consulta popular. Com isso, posam de tolerantes diante de seus críticos, redimem o pastor Feliciano de suas declarações recentes e o blindam dos protestos contra sua indicação à presidência da Comissão, apostando (sem muita chance de errar) que a maioria da população rejeitará o casamento igualitário em plebiscito.


É a tal tirania da maioria, que tanto assustava os primeiros que analisaram e praticaram a democracia moderna.



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