terça-feira, 14 de agosto de 2012

O Supremo e a opinião pública no caso do "mensalão"

Mais do que qualquer outro caso recente, o julgamento do chamado "mensalão" tem trazido o questionamento sobre a relação que há (ou que deve haver) entre as decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e a opinião pública.

Tribunais como o Supremo (ou seja, cortes constitucionais, que eventualmente abrigam outras competências originárias ou recursais, como é o caso brasileiro) são pensados com base no modelo da tripartição de poderes e na lógica republicana de equilíbrio dos interesses majoritários (presentes no Executivo e no Legislativo) e contramajoritários (garantidos pelas decisões judiciais baseadas na lei e na defesa de direitos individuais e de grupos). Assim, por definição as decisões do STF não devem se submeter aos anseios da maioria (que, supõe-se, coincidem com o que costumamos chamar de "opinião pública").

Por outro lado, o STF (na verdade, o Judiciário como um todo) é um órgão político, faz parte do Estado, e não sendo formado por eleição popular, deve buscar sua legitimidade na observância à lei (no caso do Supremo, à Constituição em especial) e no impacto social que suas decisões produzem. Isso vale mesmo quando consideramos que, no caso do "mensalão", o STF age como juízo criminal de foro privilegiado, e não como órgão de controle de constitucionalidade (como foi no caso da Lei da Ficha Limpa, por exemplo).

Essa é uma tarefa difícil. Como medir esse impacto? Quem deve ser ouvido como legítimo representante dos anseios sociais? E se a observância à lei for contrária ao que anseia a opinião pública? No caso do "mensalão", o STF tem sido pressionado em dois sentidos: primeiramente, pelo julgamento ágil do processo; em segundo lugar, por determinado resultado nesse julgamento, ou seja, a punição dos acusados. No primeiro quesito, embora os fatos já tenham acontecido há sete anos, é possível dizer que o STF agiu de maneira estratégica, relativamente ágil, e responsável. Seus membros, especialmente o relator do processo e os presidentes da corte no período, deram reiteradas declarações de compromisso com o julgamento rápido e contra o risco de prescrição dos crimes e de esquecimento dos fatos. Especialmente neste ano, a preocupação da presidência do STF em agendar o julgamento antes das eleições demonstra uma ponderada sensibilidade ao clamor de parte da opinião pública por agilidade na decisão e contra os riscos da impunidade.

No segundo quesito, ou seja, no que se refere às pressões por determinado resultado do julgamento, reside a questão mais delicada. Os anseios legítimos por punição vêm de pessoas e grupos nem sempre suficientemente informados do conteúdo do inquérito e do processo, e nem sempre a par das complexas questões jurídicas envolvidas em seu julgamento. Outros clamores menos desinteressados buscam simplesmente deslocar a disputa político-partidária para o julgamento desse processo criminal, e jogar o Supremo em uma briga que não é sua.

Eis o dilema do STF: se simplesmente atender aos anseios por punição, buscando adequar a fundamentação jurídica de sua decisão ao imperativo preliminar de uma condenação, o tribunal legitima-se perante a parcela dominante da opinião pública, mas deslegitima-se como órgão jurisdicional do qual se espera, em sua função contramajoritária, observância estrita à lei, às garantias constitucionais e aos direitos individuais. Se, por outro lado, fecha-se em uma decisão estritamente técnica que leve, eventualmente, à absolvição dos acusados, ganha prestígio entre juristas e pessoas a par de sua função política e constitucional, mas perde confiança da população.

Em um processo tão grande e tão complexo, não há uma única decisão acertada. A decisão do STF no caso do "mensalão" deve ser avaliada, juridicamente, de acordo com o conjunto de provas e os argumentos jurídicos apontados na decisão de cada ministro em relação a cada um dos 38 réus. Politicamente, porém, o Supremo será inevitavelmente avaliado pelo conjunto da obra: se absolveu um, dois ou todos; se condenou os "peixes grandes" ou os "peixes pequenos".

Uma saída intermediária e cautelosa parece ser a que já se configura pelos movimentos e declarações recentes dos ministros e da presidência do STF: agir com firmeza e unidade para garantir um julgamento ágil e resistente a eventuais estratégias processuais de procrastinação, tomando decisões rápidas e consensuais sobre questões procedimentais (como pedidos de adiamento ou de vistas); e assim, com certo respaldo de uma opinião pública ansiosa por um julgamento rápido, blindar-se para tomar qualquer decisão (ou decisões, réu a réu) que a técnica jurídica e a consciência de cada ministro recomendarem.

Frederico de Almeida é doutor em Ciência Política pela USP, Coordenador de Graduação e professor da DIREITO GV, e professor da Universidade São Judas Tadeu.

 

 (Artigo originalmente publicado no site Última Instância, em 1º de agosto de 2012)


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