No dia 28 de maio último, a Diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tomou a decisão de incluir questões de Filosofia na avaliação que realiza por meio do Exame de Ordem. O objetivo alegado pela OAB – que acatou recomendações do Colégio de Presidentes de Comissões de Exame de Ordem e de uma comissão de especialistas – é o de avaliar competências relacionadas à reflexão crítica e à ética dos candidatos ao exercício da advocacia.
O objetivo é certamente louvável, daqueles que dificilmente encontra opositores – tanto é que, mesmo entre críticos do Exame de Ordem, a decisão encontrou apoio, talvez por indicar uma possível modificação no modelo de avaliação adotado pela OAB para selecionar os candidatos aptos ao exercício da advocacia.
Tenho minhas dúvidas, porém, em relação à adequação da medida aos objetivos esperados. A função das disciplinas incluídas no chamado Eixo de Formação Fundamental do curso de Direito – dentre as quais está a Filosofia, conforme definição das Diretrizes Curriculares Nacionais – é a de fornecer os fundamentos gerais, humanísticos e axiológicos para a formação crítica, reflexiva e contextualizada do futuro bacharel em Direito. Essa formação será desenvolvida, ainda de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, por meio dos conteúdos relacionados ao Eixo de Formação Profissional (os conhecimentos específicos dos diversos ramos do Direito) e ao Eixo de Formação Prática (que objetiva a integração entre prática e conhecimentos teóricos, por meio de estágios supervisionados, trabalho de conclusão de curso e atividades complementares). Ao longo de todo o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais e da descrição dos três eixos de formação está claro o objetivo de articulação entre eles, e o de integração entre os conhecimentos específicos e a formação geral, entre a teoria, a prática e a realidade social.
Ao se ensinar Filosofia (ou Sociologia, Economia, Psicologia) em um curso de Direito, não se pretende, portanto, formar um filósofo (ou um sociólogo, economista, psicólogo). Não que não se possa formar um desses – e dentre outros tantos exemplos certamente melhores, cito a mim mesmo como um cientista político formado por um curso de Direito, ainda que eu só considere minha formação completa após a pós-graduação específica em Ciência Política, e muita prática e leitura em teoria e pesquisa sociológica.
Acredito que o objetivo dos especialistas que ajudaram o Conselho Nacional de Educação a redigir as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2004 era o de formar bons bacharéis em Direito, advogados ou não, com conhecimentos suficientes e necessários a uma compreensão crítica e rigorosa da realidade, para além das leis e das práticas profissionais propriamente jurídicas.
Por essa razão, suspeito que a mera inclusão de duas questões específicas de Filosofia do Direito, mesmo que restritas a ramos da Filosofia essencialmente ligados à aplicação do Direito como são a Hermenêutica e a Ética, não cumpra o objetivo esperado de se avaliar a capacidade crítica e a carga ética do futuro advogado. Assim como o ensino e a aprendizagem da Filosofia, em um curso de Direito, servem para fundamentar o desenvolvimento do estudante em sua área de conhecimento específico, teórico e prático, a avaliação de competências hermenêuticas e éticas do futuro advogado deveria se dar de forma intrinsecamente ligada à avaliação de suas competências jurídicas, práticas e profissionais.
Isso não será possível, contudo, por meio do acréscimo de duas questões de Filosofia do Direito ao Exame de Ordem, ao lado de outras tantas questões de conhecimentos específicos. Seria preciso, ao contrário, que as questões de conhecimentos específicos, voltadas para a avaliação de competências práticas e profissionais, fossem também capazes de avaliar a formação geral, humanista e axiológica do futuro advogado, colocando-o diante de situações hipotéticas nas quais a compreensão rigorosa, científica e crítica do mundo, e a capacidade de atuação prática de acordo com valores fossem tão importantes quanto o conhecimento "técnico" necessário à solução de um problema jurídico.
O problema é que já há algum tempo o Exame de Ordem – dogmático, conteudista e baseado em memorização – perdeu sua capacidade de avaliar efetivamente competências e habilidades profissionais de futuros advogados, para se tornar uma avaliação mal disfarçada de cursos e instituições de ensino jurídico, um recurso de defesa de um mercado profissional saturado e empobrecido pela massificação. Sem uma reformulação ampla do Exame de Ordem, que passa necessariamente por uma reflexão sobre seus objetivos, introduzir a Filosofia do Direito na prova objetiva apenas reproduz a tradição bacharelesca e de falsa erudição do Direito brasileiro. A novidade não vai levar necessariamente os cursos e os estudantes de Direito a uma formação crítica, interdisciplinar e reflexiva, mas talvez dê bons retornos aos redatores de resumos e apostilas, e aos adestradores em geral.
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