quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Os cursos jurídicos e a educação republicana

No último dia 19 de setembro realizou-se na sede da Direito GV o evento Os cursos jurídicos e a educação republicana, organizado pela Abedi (Associação Brasileira de Ensino do Direito), e que contou com o apoio das Escolas de Direito de São Paulo e do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas.

As discussões feitas durante o evento foram muito interessantes e trouxeram novo fôlego aos debates sobre os rumos do ensino jurídico no Brasil. Se há mais de 30 anos fala-se em crise do ensino jurídico, é certo que as propostas para a resolução dessa crise se diversificaram ao longo do tempo, com o surgimento concomitante de atores e discursos diversos sobre como se alcançar um ensino jurídico de qualidade. A acelerada expansão da oferta de ensino superior nas últimas décadas, e a recente e intensa ascensão social das classes populares à chamada "nova classe média" — movimento que passa também pela inclusão educacional — apenas tornam o cenário do ensino jurídico mais complexo, demandando reflexões inovadoras e avançadas para seu aprimoramento.

Alguns consensos resultantes das discussões no evento da Abedi sinalizam caminhos importantes para a renovação do debate sobre o ensino jurídico no Brasil. O primeiro deles parece ser o de que, para além de um debate metodológico, curricular e pedagógico (que já é bastante sofisticado hoje no Brasil), e de uma discussão ampla sobre a política estatal para os cursos jurídicos (ainda fortemente baseada em uma falsa dicotomia "qualidade versus quantidade"), aqueles interessados na compreensão e no aprimoramento da situação atual do ensino jurídico devem focar suas atenções nos mecanismos mais precisos da regulação, da avaliação e da supervisão dos cursos e instituições de ensino superior mantidos pelo Ministério da Educação.

Afinal, é por meio desses mecanismos regulatórios (diretrizes curriculares, instrumentos e indicadores de avaliação de qualidade, decretos e portarias educacionais) que o Estado, por meio do MEC, busca estabelecer os padrões mais detalhados de sua política ampla para o ensino superior em relação a projetos pedagógicos e outras questões curriculares e metodológicas, incluindo o perfil do egresso e o papel do docente. Se por um lado os participantes do evento ressaltaram os avanços da regulação da educação superior nos últimos anos, reduzindo o espaço da "política de balcão" no MEC e aumentando o rigor e a objetividade das práticas estatais nesse setor, por outro lado enfatizou-se a importância do aprimoramento daqueles mecanismos regulatórios, de modo que o objetivo de formalização, racionalização e objetivação do processo de autorização e reconhecimento de cursos mantenha um espaço necessário para a diversidade de modelos de ensino jurídico e de projetos institucionais na área.

Um segundo ponto importante apresentado no evento da Abedi foi a necessidade, justamente, de se pensar e praticar a diversidade no ensino jurídico, em termos de modelos de ensino e projetos institucionais, que sejam capazes de atender às diversidades sociais e regionais do país, bem como aos diferentes interesses que levam um estudante a procurar a formação em Direito. Nesse aspecto, os participantes do evento apontaram para a necessidade de se pensar em cursos jurídicos que estruturem sua oferta para além da formação para as atividades profissionais tradicionais do Direito — advogado, juiz, promotor — e sejam capazes de formar indivíduos para atividades profissionais que tenham no Direito, se não um requisito essencial, ao menos um diferencial desejável.

Ao prometerem futuros profissionais muitas vezes bloqueados por mercados saturados, clivagens sociais e hierarquias de prestígios entre as atividades relacionadas ao Direito, muitos cursos jurídicos acabam contribuindo para a frustração de expectativas de bacharéis que acabam se destinando a atividades tidas por secundárias ou estranhas à sua área de formação — quando não ao desemprego. Nesse aspecto, um debate como esse, pela via da formação jurídica, pode inclusive contribuir para a valorização de funções e atividades essenciais à administração da justiça — como a polícia e os serventuários da justiça — hoje tidas como secundárias ou menos valorizadas pelos estudantes que buscam nos cursos jurídicos um caminho para um bom posicionamento profissional e social. Além disso, colabora para a reflexão sobre o papel do Direito e sobre qual a formação desejável para atividades profissionais que têm relação direta com a administração pública — o funcionalismo público em geral, dos técnicos administrativos aos auditores fiscais —, e que hoje acabam recepcionando bacharéis sem outras opções ou apenas preocupados com salário e estabilidade.

Porém, creio que o consenso mais importante resultante do evento promovido pela Abedi foi o que busca estabelecer uma identidade social, profissional e política para o docente em Direito. Elemento essencial de qualquer projeto educacional, a docência, no caso do ensino jurídico, tem dificuldades em se afirmar como alternativa profissional e estilo de vida exclusivos daqueles acadêmicos ligados ao Direito, sendo ainda predominante o perfil do profissional-docente — o advogado, promotor ou juiz que, com ou sem formação e titulação específica, dedica-se ao magistério como atividade importante, mas não exclusiva em sua subsistência e em seu projeto de vida. Construir uma identidade (ou melhor: diversas identidades) do docente em Direito passa necessariamente pelos debates sobre a formação para a docência — papel esperado dos mestrados e doutorados, em geral ineficientes nesse aspecto —, sobre suas condições objetivas de trabalho — debate que deve ir além dos aspectos estritamente trabalhistas, alcançando mesmo outros elementos relacionados ao desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão — e sobre o posicionamento e a visibilidade do docente como um ator político capaz de influenciar os debates acadêmicos, legislativos e regulatórios sobre os rumos do ensino do Direito no Brasil.
 
Frederico de Almeida é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e Coordenador de Graduação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (DIREITO GV)
 
(Artigo originalmente publicado no site Última Instância em 21 de setembro de 2011).

Nenhum comentário: