terça-feira, 10 de novembro de 2009

O futuro da Ordem

Excelente artigo de Hélio Schwartsman sobre a OAB, analisada a partir de seu processo eleitoral atual. O artigo, originalmente publicado na edição de domingo da Folha de São Paulo, foi reproduzido pelo Consultor Jurídico, e pode ser acessado no link http://www.conjur.com.br/2009-nov-08/terceiro-mandato-oab-virou-presa-interesses-corporativistas

O artigo toca em um ponto fundamental para a definição da identidade da advocacia e de sua representação oficial, perceptível para advogados mais cientes e críticos, e também pelos analistas externos, que acompanham a evolução institucional da Ordem e sua participação na vida social e política brasileira: o fato de que a dupla vocação da OAB - a corporativa, de defesa de interesses profissionais, e a institucional, associada à defesa da cidadania e da ordem legal -, que definiu a construção da identidade profissional dos advogados, vem perdendo cada vez mais sua característica política, que liga a Ordem à sociedade civil, e cada vez mais assumindo sua feição eminentemente corporativa.

Desde a primeira vez que li sobre a hipótese da dupla vocação, no trabalho de Maria da Glória Bonelli (Profissionalismo e Política no mundo do Direito, Edufscar/Sumaré, 2002), me pareceu que a conciliação dessas duas faces da identidade profissional encontraria limites e provocaria tensões internas - e a própria autora demonstra isso, ao reconstruir os conflitos internos em torno das redefinições dos sucessivos Estatutos da entidade. Organizacionalmente, a dupla vocação só é possível quando a presidência da entidade tem autonomia para uma ação política junto à sociedade civil e o Estado, e estruturas como o Conselho Federal (e, nas OAB estaduais, os Conselhos Seccionais e de Presidentes de Subsecções) são responsáveis pela canalização e mediação dos conflitos corporativos - e, nesse sentido, ver o capítulo 6 de Judging Policy (Stanford University Press, 2008), do cientista político Matthew Taylor, e minha dissertação de mestrado (http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-26062007-155516/).

Entretanto, no contexto de uma advocacia empobrecida e socialmente diversificada, e considerando o gigantesco processo eleitoral de seus dirigentes, a OAB se vê cada vez mais refém dos interesses de uma base profissional mais preocupada com a preservação de um precário mercado de trabalho do que com a real efetivação da cidadania. Junte-se a isso a enorme expansão das vagas do ensino jurídico nos últimos 20 anos e o esgotamento de grande parte da pauta política da redemocratização, para que possamos ter na figura de D'Urso - candidato ao terceiro mandato à frente da Ordem paulista, egresso de uma faculdade considerada de "segunda linha" no mercado de trabalho, oriundo da Zona Norte paulistana, filiado ao DEM e mentor do movimento das classes média e empresarial "Cansei" - o melhor exemplo de uma nova advocacia, política e socialmente emergente, mas reprodutora de nossa (pior) tradição liberal e corporativista.

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