segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Eliana Calmon, sem censura

Está causando polêmica a entrevista da ministra Eliana Calmon, do STJ, sobre o processo de escolha do próximo ministro do tribunal. A entrevista pode ser lida no site do Estadão (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091122/not_imp470184,0.php), e a repercussão, acompanhada pela cobertura do Blog do Frederico Vasconcelos (http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/arch2009-11-01_2009-11-30.html#2009_11-29_22_48_02-126390611-0).
 
Polêmica é com ela mesmo - desde, pelo menos, sua ida para o STJ, quando, provocada na sessão de sabatina no Senado, declinou os nomes de seus padrinhos políticos para a ascensão ao tribunal. Provocou, com isso, a ira de senadores e juristas, que condenaram tanto o apadrinhamento político como o fato da então candidata a ministra ter tornado explícita uma prática que, convenhamos, é comum e sabida por todos. Segundo ela, foi graças a essa "denúncia" pública dos nomes de seus padrinhos que ela se sentiu livre para não dever favores a nenhum deles - não sei se isso é verdade, mas o fato é que Eliana Calmon de fato não tem papas na língua.
 
A denúncia feita em relação ao processo de escolha para o STJ, contudo, tem duas dimensões. A primeira é uma crítica direta aos efeitos indiretos que o já tão mal afamado quinto constitucional tem sobre a liderança dos tribunais superiores - afinal, segundo o consistente raciocínio da ministra, um magistrado de carreira chega aos tribunais superiores em idade mais avançada do que seus colegas vindos do quinto constitucional, vendo assim suas chances de presidir um órgão de cúpula do Judiciário diminuídas, em privilégio de advogados e promotores, estranhos à carreira e à organização. A outra dimensão da fala da ministra ao Estadão é, propriamente, uma denúncia. Em parte, a existência de redes de relações sociais e políticas que permitem a ascensão de certos candidatos à lista tríplice formada pelo tribunal para posterior indicação presidencial e sabatina no Senado não é muito diferente do tipo de relações que ela mesma se valeu para chegar ao STJ, conforme assumiu em sua sessão de sabatina. Por outro lado, e ao contrário do processo de indicação e sabatina para se chegar a um tribunal superior, o recurso às redes de relações políticas não fraudam um processo de escolha formal, baseado no escrutínio dos ministros, como é o caso da eleição interna dos indicados do STJ - no máximo, o recurso a relações pessoais para chegada ao tribunal, já no âmbito da sabatina no Senado, apenas frusta e fragiliza o argumento formalizado de que o escolhido pelo Parlamento deve possuir "reputação ilibada e notável saber jurídico", expressão tão ampla que acaba sendo preenchida por conteúdos políticos, de fato.
 
Mas fica a provocação (e a dúvida): deixados de lado os aspectos formais, o quanto o processo político de formação da lista tríplice do STJ, denunciado pela ministra ao Estadão, é diferente do processo ao qual ela mesma se submeteu para, após a formação da lista tríplice, ser indicada e passar pela sabatina do Senado? Mais do que isso: a formalização de processos de escolha e ascensão mais "racionais", "isentos" e "burocratizados" excluiria a política que há no interior das corporações e carreiras jurídicas?
 
Em entrevista que me concedeu há algum tempo, a ministra Eliana Calmon fez interessantes considerações acerca do processo de escolha dos ministros do STJ e do STF. Defendeu alterações na escolha para o STJ, de modo a torná-la ainda mais ligada à própria magistratura e a um sistema formal de progressão na carreira, e menos sujeita a eleições e influências políticas. Por outro lado, defendeu o atual modelo de composição do STF, por permitir a indicação política para uma corte que, segundo ela, tem função essencialmente política. A composição dos tribunais superiores é um dos temas sensíveis da administração da justiça, e apesar das posições da base da magistratura e de suas principais associações representativas, alterações no sistema atual ainda parecem estar longe das possibilidades concretas de reforma.

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