terça-feira, 13 de outubro de 2009

Justiça sem advogado

Está prestes a desaparecer um dos poucos espaços de representação judicial autônoma, sem participação de advogados: o jus postulandi na Justiça do Trabalho. Ao lado do habeas corpus e das ações com valor de causa inferior a 20 salários mínimos nos Juizados Especiais Cíveis, a representação judicial direta em conflitos trabalhistas representava uma exceção ao sistema de monopólio de representação judicial pela advocacia, praxe de nosso sistema juridico, consagrada na legislação processual e sacramentada pelo art. 133 da Constituição Federal.
Sou favorável à ampliação do acesso à justiça, inclusive quando se faça necessário rever a obrigatoriedade de representação por meio de advogados - e minha dissertação de mestrado demonstrou, justamente, que a luta política pela preservação e ampliação do monopólio profissional da advocacia constitui um dos mais resistentes obstáculos à diversificação e à efetivação das políticas públicas de acesso à justiça no Brasil contemporâneo.
Por outro lado, temos que admitir: para o leigo, num sistema profissional, fazer-se representar sem auxílio técnico acaba sendo uma verdadeira aventura, apesar das boas intenções de reformas como a dos Juizados Especiais - que depositavam esperanças nos efeitos pedagógicos da prática institucional, que num futuro não muito distante, e por mecanimos pressupostos, mas desconhecidos, fariam com que o conhecimento e o discurso de leigos e técnicos se aproximassem em uma profunda revolução na administração da justiça. Participei de diversas pesquisas sobre resolução de conflitos, e tendo observado inúmeras audiências de Juizados Especiais, percebi que a parte sem advogado acaba sendo mesmo a mais fraca, ainda mais em contextos sociais e locais de acesso precário à informação e à justiça, e principalmente em conflitos desiguais, já que as partes mais fortes (empresas, patrões) em geral não dispensam a participação de advogado.
A melhor (e mais utópica) solução seria uma justiça totalmente leiga. Outra solução, intermediária e não tão impossível, seria o investimento em meios alternativos de solução de conflitos plenamente leigos, que não excluíssem a justiça profissional e oficial - mas essa solução, que tem nos escritórios de mediação popular e comunitária seu melhor exemplo, só sobreviveria com a forte resistência à expansão do monopólio profissional dos advogados também para esse nicho de mercado extra-judicial. Por fim, e para reparar o problema na justiça profissional oficial no curto prazo, é urgente que os serviços de Defensoria Pública tenham ampla cobertura e abrangência, não só em termos quantitativos, como também repensando-se o tradicional e restrito conceito de "pobre no sentido jurídico do termo", e ampliando-se a assistência gratuita a outros setores, como movimentos sociais, organizações não-governamentais, grupos de usuários de serviços públicos e consumidores, e pequenos e médio empresários.
 
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2 comentários:

Unknown disse...

Excelente abordagem. Gosto especialmente do seu chamado para a criação de formas leigas de gestão dos conflitos. Creio que no Brasil ainda estamos vivendo sob o impacto de uma ordem jurídica que expande direitos, o que cria uma certa ilusão de que o direito positivo do Estado é a melhor linguagem para a mediação dos conflitos sociais. Ainda há um certo preconceito contra o direito social, por assim dizer, como se ele fosse sinônimo de despotismo. Por outro lado, pouca gente percebe que o direito do Estado é, entre outras coisas, profissionalizado, e que isso pode subverter ou instrumentalizar as suas virtudes democráticas.
Um abraço, F.

Frederico de Almeida disse...

Profissionalismo, formalismo e direito positivo são os vícios e as virtudes da organização liberal da justiça. Difícil é pensar em saidas, ainda mais quando temos poucos referenciais históricos e comparados para apoiarem nossa reflexão.