quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A percepção social da Justiça

O discurso que associa o resultado da Ação Penal 470, o chamado mensalão, ao juízo definitivo que os brasileiros farão do Poder Judiciário sustenta que as possibilidades de absolvição ou de revisão das condenações já decididas pelo Supremo Tribunal Federal levariam ao descrédito da Justiça brasileira.

Na atual fase do julgamento, esse discurso buscou carona na crítica às instituições políticas das manifestações de junho e na ressaca da decisão recente da Câmara que não cassou o mandato de um deputado condenado pelo Supremo em outra ação.

O descrédito da população no Judiciário não é algo desprezível, e é constatado empiricamente por diversas pesquisas. Porém, esse sentimento não tem sua origem no julgamento da AP 470. O Índice de Confiança na Justiça, da Direito GV, vem constatando essa percepção social negativa desde muito antes do julgamento do mensalão. Desde a década de 1980 inúmeros estudos (como as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios do IBGE de 1988 e 2009) têm embasado um preocupante diagnóstico de descrédito no Judiciário, considerado ineficiente na resolução de conflitos e na garantia de direitos dos cidadãos.

Não se pode ignorar o fato de que absolvições ou revisões benéficas aos réus em novo julgamento da AP 470 poderiam agravar essa percepção negativa. Mas o contrário seria verdadeiro? A condenação "exemplar" nessa ação aumentaria a credibilidade do Judiciário? Uma e outra coisa deveriam ser provadas, mas para isso não bastaria uma simples pesquisa de opinião nesta semana; seria preciso, ao contrário, compreender o impacto desse julgamento na lógica mais ampla em que se produz a percepção social da Justiça (o que só pode ser feito, por sua vez, em um esforço de análise que não atende ao tempo da exaltação política momentânea).

Passado o julgamento dessa ação, é preciso saber se o cidadão comum afetado pela morosidade judicial e pela falta de acesso à Justiça vai ao menos se lembrar de que houve um mensalão. É preciso, também, que os arautos da crise de hoje se lembrem, amanhã, do cidadão comum e dos problemas estruturais do Judiciário brasileiro. 

Frederico de Almeida é cientista político e Coordenador de Graduação da DIREITO GV

(Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo em 18 de setembro de 2013)

 

Um comentário:

Gustavo Guerra disse...

Caro Professor Frederico, esse debate está só no início. Mas dá um caldo, como diria Warat.
Vamos começar novas e instigantes interlocuções,
Abs
G. Rabay