No primeiro dia de trabalhos do Encontro da ANPOCS, acompanhei as apresentações e discussões do GT Sociologia e Direito. O tema de fundo de todos os trabalhos eram as reformas de informalização da administração da justiça, especialmente por meio da conciliação. Os temas de cada um dos trabalhos apresentados me interessam, mas no geral não gostei dos trabalhos desse primeiro dia.
O primeiro trabalho apresentado pretendia uma etnografia da conciliação na justiça civil (leia a íntegra em http://sec.adtevento.com.br/anpocs/inscricao/resumos/0001/TC1858-1.pdf). Entretanto, o problema central desse trabalho estava na própria formação da pesquisadora, bacharel e mestre em Direito, além de advogada praticante. Não que isso seja um problema em si - boa parte da pesquisa social sobre Direito e justiça no Brasil foi e ainda é feita por juristas-sociólogos, e contra os dicursos reativos de sociólogos "puros" em defesa de seu campo, eu sou sempre o primeiro a defender esse tipo de trajetória acadêmica, que faz parte da própria história do campo. O problema que vi nesse trabalho é o do uso intrumental que muitos juristas "esclarecidos" fazem da sociologia para suas lutas pessoais, íntimas ou públicas, no interior do próprio campo jurídico - e sobre isso, veja-se a tese de doutorado de Fabiano Engelmann, além dos ótimos artigos de Luciano de Oliveira na coletânea Sua Excelência o Comissário. Nesse caso específico, ficava evidente a angústia da pesquisadora, um tanto ingênua, perante o "formalismo" e a "abstração" do Direito, em contraponto a uma visão mais "realista" da sociologia. Desse problema central decorrem, a meu ver, outros problemas do trabalho: falta de consistência na metodologia empregada, uso incongruente de etnometodologia e Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habbermas (um dos socíólogos mais recorrentes em certa sociologia jurídica, ao lado de seu conterrâneo Niklas Luhmann), falta de clareza quanto a objetos, métodos e resultados de pesquisa. Em meus comentários, procurei deixar claro que esse é um problema da própria trajetória do pesquisador, pelo qual também passei, mas que é solucionável, mediante estudo, (auto-) reflexão e rigor metodológico.
O segundo trabalho apresentado (http://sec.adtevento.com.br/anpocs/inscricao/resumos/0001/TC1884-1.pdf) fez um levantamento histórico do processo político na Assembléia Nacional Constituinte em torno da introdução dos juízes leigos na administração da justiça. Mostrou como o lobby dos magistrados profissionais impediu a introdução da fiugura leiga correlata, limitando as pretensões e as potencialidades de reforma - de resto, a mesma história de toda a dicussão constituinte sobre o Judiciário, e que pautou todo o panorama de reformas das décadas posteriores. Bom trabalho, consistente em termos de metodologia e resultados obtidos - e que, vindo de dois juristas e professores de Direito, embora alunos do programa interdisciplinar de Sociologia e Direito da UFF, demonstram que juristas, com a devida formação, podem sim fazer boa ciência social.
O terceiro trabalho também sofria, em parte, do problema da vinculação (ou do compromisso) do cientista social (ou melhor do jurista, um dos co-autores) com o objeto pesquisado. Trata-se de estudo sobre o discurso da campanha de conciliação empreendida pelo Conselho Nacional de Justiça ("Conciliar é Legal"), e que procurou apontar as razões efetivas do Conselho, por trás do discurso, um tanto simplista, de que a conciliação é sempre boa e melhor que uma solução judicial formal clássica. Em suma, o trabalho levantou a questão, já explorada em outros bons trabalhos sobre conciliação e informalização da justiça, sobre o papel dessas inovações no desafogamento material do Judiciário, na estratificação (social e processual) de duas justiças, e na constituição de uma "justiça pobre para pobres". O problema não estava no trabalho em si, mas sim no fato de que um dos co-autores, que é juiz, ter deixado mais que evidente que todo o trabalho de pesquisa tinha por objetivo apenas fundamentar sua crítica - que extrapolou os limites das conclusões da pesquisa - ao CNJ, à Reforma do Judiciário e aos mecanimos de centralização e verticalização impostos a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004. De qualquer forma, me parece mais um problema da apresentação, naquele momento, do que do trabalho em si (que pode ser acessado em http://sec.adtevento.com.br/anpocs/inscricao/resumos/0001/TC0440-1.pdf).
Por fim, os coordenadores da sessão convidaram um dos painelistas a fazer apresentação oral de seu trabalho, diante da ausência de pesquisadores previamente selecionados para apresentação desse tipo. Trata-se de pesquisa sobre o CNJ, bastante interessante, mas um tanto embrionária (veja resumo em http://sec.adtevento.com.br/anpocs/inscricao/resumos/0001/TBR1850-1.DOC). Embora eu questione (e tenha o feito pessoalmente ao autor) a hipótese central (a formação de uma nova cultura jurídico-política, de caratér democrático e republicano, a partir da atuação de entidades como o CNJ ou associações profissionais de magistrados), acho que, até pela novidade institucional do fenômeno, esse é um dos temas que merecem e ainda gerarão boas pesquisas e discussões nas próximas décadas.
Nos dias seguintes, não acompanhei as apresentações e discussões do GT porque voltei para o Grupo no qual apresentaria meu próprio trabalho. Entretanto, tendo em vista a existência de grupos com temáticas próximas, e a própria experiência histórica do GT Direito e Sociedade, nos anos 80/90, receio que, infelizmente, e pelo que vi do primeiro dia dos trabalhos, o GT Sociologia e Direito possa ter sua continuidade na ANPOCS comprometida, diante da diversidade (ou melhor: irregularidade) dos trabalhos apresentados, e da ausência de delimitação de um campo de estudos próprio - mas isso não é culpa de seus idealizadores e coordenadores, mas sim uma característica da constituição do campo que só pode ser superada pelo avanço e pelo acúmulo de resultados de pesquisa consistentes, inovadoras e que dialoguem entre si.
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